“Por muitos anos, desenvolvedores da área de computação de alta performance tiveram poucas escolhas graças a arquitetura x86. O projeto Denver liberta PCs, estações de trabalho e servidores da hegemonia e ineficiência dela”.
A afirmação anterior é de Bill Dailly, VP de Pesquisa da NVIDIA, e é muito provável que, graças ao trabalho de pesquisa no qual está envolvido, o mundo da tecnologia esteja iniciando uma nova revolução capaz de ampliar sem precedentes as possibilidades para os usuários,que passam a ter verdadeiros supercomputadores na palma da mão.
Isso pode ser possível graças ao desenvolvimento da arquitetura ARM (Advanced RISC Machine) de processamento, tecnologia existente desde a década de 80 e atualmente voltada para dispositivos portáteis. A novidade é que estamos muito próximos de conhecer microprocessadores ARM capazes de obter um desempenho tão eficiente quanto o do computador mais potente que você tem em sua casa.
Mas como isso é possível? Qual o mistério existente por trás dessa revolução silenciosa e quais são as empresas que podem se beneficiar delas nos próximos dois anos? É hora de entender por que os processadores ARM podem representar uma mudança de paradigmas no mundo tecnológico.
Duelo de arquiteturas: X86 x ARM
A arquitetura ARM não é exatamente uma novidade, pelo contrário. Criada em 1983, ela está prestes a completar três décadas de existência e vê agora as suas possibilidades ampliadas. Desenvolvida pela inglesa Acorn Computer Limited, foi à época o primeiro processador RISC criado para uso comercial.
Até então, a maioria dos computadores utilizava a arquitetura CISC, com suporte instruções complexas, simultâneas e de execução mais lenta — mas que resultavam em códigos menores, pela simplificação da estrutura de programação decorrente e menos entradas e saídas (diminuindo assim a necessidade de memória).
Os RISC, por outro lado, visam a simplificação dessas instruções, com o intuito de atingir a máxima eficiência por ciclo (podendo realizar tarefas menores com processos mais curtos) e uma maior ordenação das operações dentro do núcleo de processamento.
Por terem um número menor de circuitos internos, os RISC também podem trabalhar com clocks mais altos. Cabe observarmos, no entanto, que as divisões entre estes dois termos estão se tornando cada vez mais nebulosas, uma vez que os processadores modernos já combinam as duas linhas em suas diferentes camadas de hardware.
Hoje, a tecnologia ARM é administrada pela ARM Holdings, que licencia o projeto a grandes empresas (ou governos, como o da China) que queiram desenvolvê-lo em chips próprios. É importante observarmos que mudanças benéficas desenvolvidas por terceiros podem ser incorporadas à arquitetura — ao contrário do que se vê no caso da x86.
Os processadores ARM representam hoje a maioria absoluta em equipamentos portáteis. iPhone, Palm Pre, calculadoras, smartphones e até mesmo alguns notebooks utilizam essa tecnologia para as operações de processamento.
No mercado de computadores, no entanto, ainda persiste a arquitetura x86 com as extensões x64, principalmente por razões de compatibilidade de software. A questão é que o código das duas é binariamente incompatível, o que torna inviável a execução do Windows 7 no ARM, por exemplo, ainda que programas de menor porte possam ser adaptados.
A arquitetura x86 pode ser considerada como de alta complexidade, por apresentar diversos estágios de processamento de dados (como o carregamento de informações, a decodificação, alocação de memória, entre outros) e possuir microcodes, responsáveis pela interpretação das instruções, transformando-as em processos físicos.
Como resultado desse conjunto mencionado acima, o que se tem é o alto desempenho, mas que infelizmente vem acompanhado de um maior consumo de energia e também da necessidade de mais espaço físico, tornando-os completamente incompatíveis com a proposta de aparelhos portáteis.
Assim, a indústria na maioria das vezes prefere abrir mão de potência e desempenho brutos em prol de portabilidade e da maior eficiência dos dispositivos, características que a arquitetura ARM é capaz de proporcionar com melhores resultados. É por isso, por exemplo, que recursos como multitarefa, demoraram um pouco mais a aparecer nos smartphones, assim como a evolução gráfica dos games também é inferior ao que os desktops e notebooks são capazes de exibir.
Afinal, qual é a novidade do ARM?
Depois de décadas de pesquisas e investidas, as técnicas ARM finalmente estão despertando o interesse das gigantes dos computadores (caso da Microsoft, que agitou a CES 2011 com seu anúncio, tratado adiante). Com a alta eficiência da arquitetura somada à liberdade propiciada pelos equipamentos de maior porte, o que surgirá será um processador verdadeiramente potente, quem sabe até de menor custo.
O Project Denver, da NVIDIA, também traz consigo um processador gráfico dedicado, eliminando parte da complexidade de hardware (por serem eliminados chipsets, portas e outros controladores externos) e abrindo espaço para operações mais rápidas, geradas em um único local.
Em termos práticos, veremos computadores extremamente velozes (que podem sim ser amparados por outros núcleos externos, como as atuais placas de vídeo dedicadas), enquanto fabricantes de notebooks e netbooks encontrarão a ferramenta perfeita para criar produtos mais leves, finos e portáteis, com maiores durações de bateria — algo que se aplica também ao mercado de celulares.
Vale lembrar que a NVIDIA é apenas uma das empresas à frente do conceito de superphones. Grandes corporações como Samsung e Qualcomm também já possuem produtos no mercado compatíveis com essa estrutura de processamento.
O ARM pode matar o x86?
No mundo da tecnologia, é muito complicado fazer qualquer afirmação definitiva nesse sentido. Entretanto, analisando apenas a teoria, a resposta para essa pergunta é sim. Porém, se isso acontecer, muito provavelmente não será nos próximos cinco anos, já que muito desse esforço dependerá da própria indústria.
Durante a CES 2011, em sua conferência, a NVIDIA utilizou dois exemplos para explicar o que pensa do momento atual do desenvolvimento tecnológico. Na década de 90, o sistema operacional Windows 95 representou uma grande evolução ao ampliar as possibilidades da computação para todos os usuários.
Na década passada, foi a vez de integrar os sistemas operacionais com a internet, conectando o mundo todo. Segundo a empresa, a bola da vez é levar as possibilidades da internet e dos computadores para as ruas, com a mobilidade. Assim, o usuário terá em seu bolso antes de tudo um computador, que também terá as funções de um telefone.
Contudo, para que isso seja possível, é preciso também que os usuários adotem a nova tecnologia e, historicamente, esse processo está acontecendo cada vez mais rápido. Dois exemplos rápidos: em pouco mais de um ano o Windows 7, lançado pela Microsoft, já representa mais de 30% do mercado entre os SOs da empresa.
O mesmo acontece com o Android, que têm as suas versões atualizadas com muita velocidade e em pouco menos de 2 anos já conta com uma base de 60 milhões de usuários somente nos Estados Unidos. Assim fazendo uma projeção simplista, a partir do lançamento dos primeiros modelos em 2011 e consequente integração com novos sistemas operacionais em 2012, caso o produto caia no gosto popular, é provável que até 2015 ele já possa representar pelo menos ¼ dos smartphones em utilização.
Empresas que saem na frente
Os primeiros modelos de superphones a chegar ao mercado utilizarão o Android como sistema operacional. Entretanto, para que a adoção seja completa e as possibilidades sejam maiores, o natural seria utilizar os mesmos SOs dos desktops para os superphones. Os exemplos são diversos, tais como Linux e Windows CE, mas nenhum representa sucesso comercial.
E é justamente na questão de sucesso e apelo de público Microsoft. Causou surpresa ao público da CES o fato da NVIDIA anunciar que a empresa já está desenvolvendo um sistema operacional capaz de ser executado na arquitetura ARM. A novidade deve chegar ao mercado em 2012.
Qual seria esse sistema? Provavelmente o Windows 8. A utilização de uma nova arquitetura justificaria o fato de o intervalo entre o lançamento do Windows 7 e a próxima versão do SO da Microsoft serem tão curtos. Dessa forma, computadores e celulares poderiam rodar o mesmo sistema operacional, em um curto espaço de tempo, e com um grande volume de usuários adotando-o imediatamente.
E quanto a gigante Google? A convergência de sistemas operacionais coloca a empresa numa posição relativamente cômoda, porém, a indecisão entre um ou outro pode acabar pesando negativamente no futuro. Tanto o Android como o Chrome OS já são capazes de rodar sobre a arquitetura ARM.
A dúvida sobre o posicionamento que a empresa irá adotar é a seguinte: O Android é a melhor opção para ser adaptado para notebooks e desktops ou o Chrome OS poderia migrar para os celulares? A empresa precisará matar um dos seus dois produtos integrando-os ou a separação é a melhor alternativa? Afirmar qualquer uma das opções, ao menos por enquanto, é dar um tiro no escuro.